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Por Maiara Folly*
Faltando menos de seis meses para a COP30, que será realizada em Belém, na Amazônia brasileira, o mundo se aproxima de um ponto de inflexão na agenda climática. Diante de um cenário geopolítico turbulento, o sucesso da conferência não será medido apenas pela adoção de novos compromissos ambiciosos, mas, sobretudo, pela capacidade de transformar promessas anteriores em ações concretas.
Não se trata de reduzir a ambição climática. Ao contrário: é reconhecer que os pilares centrais das negociações climáticas já foram estabelecidos e que é hora de garantir a sua implementação. Os países já reconheceram, por exemplo, a urgência de limitar o aquecimento global a no máximo 2°C — preferencialmente 1,5°C. Comprometeram-se a interromper e reverter o desmatamento e a degradação ambiental até 2030, a triplicar o uso de energias renováveis, a dobrar a eficiência energética e promover a transição para longe dos combustíveis fósseis. Reiteraram o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, reconhecendo que os países desenvolvidos devem liderar os esforços de financiamento climático.
A questão agora é como garantir que os textos negociados e a própria estrutura das COPs funcionem como catalisadores para o avanço prático desses compromissos, com rapidez, escala e, sobretudo, de forma justa e equitativa.
A chamada “COP da implementação” exigirá uma mobilização inédita, que a própria presidência brasileira da conferência tem descrito como um mutirão global. Esse esforço coletivo só será viável se for guiado por dois elementos fundamentais: a participação ampla de todos os setores relevantes e a viabilização dos meios necessários para a ação climática.
No primeiro eixo, é fundamental ir além da diplomacia formal. Para ganharem tração, as soluções climáticas precisam envolver todos os setores: sociedade civil, povos indígenas e comunidades locais, setor privado, instituições financeiras, governos nacionais e subnacionais, legislativo e judiciário. A COP30 já deu passos nessa direção, com iniciativas como o Círculo das Finanças, o Círculo dos Povos, o Balanço Ético Global e a rede de campeões de alto nível e enviados regionais e setoriais. Mas ainda há espaço — e necessidade — para ampliar e aprimorar o engajamento. Além de plural, a mobilização precisa ser coordenada, duradoura, baseada na ciência e progressivamente ambiciosa – guiada pelo Acordo de Paris e seus instrumentos: tais como o primeiro Balanço Global e as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
O segundo eixo envolve a criação de condições materiais para que a implementação seja efetiva. Isso passa pelo fortalecimento do financiamento, pela capacitação técnica e pelo acesso a tecnologias verdes para o mundo em desenvolvimento. A meta de US$100 bilhões anuais, prometida pelos países desenvolvidos até 2020, foi alcançada com dois anos de atraso e de maneira inadequada — com cerca de 70% dos recursos vindos na forma de empréstimos, o que agrava o endividamento do Sul Global. Atualmente, quase metade da população mundial vive em países que gastam mais com juros da dívida do que com serviços básicos, como saúde e educação.
Por isso, é essencial discutir o volume e a qualidade do financiamento climático. O chamado “Roadmap de Baku a Belém” deve indicar caminhos para mobilizar ao menos US$ 1,3 trilhão, ainda muito abaixo dos quase US$ 6 trilhões necessários até 2030 para que os países em desenvolvimento implementem suas NDCs.
Por isso, o foco desse mapa do caminho deve estar em assegurar recursos regulares e transparentes, por meio de doações ou em condições significativamente mais favoráveis do que as de mercado, com prazos longos.
Para enfrentar tamanho desafio, governos e instituições financeiras internacionais precisam estar à mesa. Uma experiência relevante nesse sentido vem da Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima, criada pela presidência brasileira do G20. Durante seu ano de atuação, a FT-CLIMA reuniu ministros de Meio Ambiente, Finanças e Relações Exteriores, além de governadores de bancos centrais e organismos internacionais, com o objetivo de alinhar as agendas macroeconômica e climática, acelerar a mobilização de financiamento e impulsionar a transformação ecológica.
Essa experiência do G20 inspirou a criação do Círculo das Finanças pela presidência da COP30. É fundamental, no entanto, que essa articulação não seja temporária, mas sim institucionalizada como parte integrante da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Somente com a participação ativa e contínua de todos os atores que compõem a arquitetura financeira internacional será possível escalar o financiamento climático, mobilizando novas fontes de recursos e alinhando os investimentos públicos e privados aos objetivos do Acordo de Paris.
O artigo 2.1(c) do tratado já determina que os fluxos financeiros devem ser compatíveis com uma trajetória de desenvolvimento de baixo carbono e resiliente. Contudo, em 2022, os subsídios aos combustíveis fósseis atingiram um recorde de US$ 7 trilhões — o equivalente a mais de 7% do PIB mundial, segundo o FMI. Reverter essa lógica é urgente.
Para que a COP30 seja, de fato, um ponto de virada na construção de uma governança climática capaz de transformar promessas em ação, o mutirão global precisa ter o financiamento climático justo e acessível no centro de sua agenda.
* Maiara Folly é diretora-executiva da Plataforma CIPÓ, instituto de pesquisa brasileiro dedicado à promoção da cooperação internacional para impulsionar a ação climática e o desenvolvimento sustentável, com foco nas demandas e prioridades do Sul Global.
Fonte: ICL Notícias