Por Gabriel Gomes

‘É um livro sobre política’, assim a jornalista investigativa Cecília Olliveira, autora de “Como nasce um miliciano” (Editora Bazar do Tempo), define a obra que será lançada neste sábado (14), no Rio de Janeiro. Ela faz uma análise estrutural do fenômeno das milícias, em busca de desvendar a aliança entre polícia, política e crime organizado que sustenta esses grupos criminosos.

“Não é sobre crime, é um livro sobre política. Essa é uma das ideias centrais. Quando a gente fala de milícia, muita gente pensa logo em corrupção policial — e sim, esse é um fator. Mas o que sustenta a milícia de verdade é o poder político. Estamos falando de grupos que não só dominam territórios e serviços, mas que também elegem vereadores, apoiam candidatos, interferem em políticas públicas e moldam decisões no Legislativo. Estas decisões se voltam para a ponta, em benefício de quem movimenta a estrutura e os serviços milicianos”, resume Cecília Olliveira.

Cecília Olliveira, autora de “Como nasce um miliciano”. (Foto: Divulgação)

O livro parte da ascensão e a queda do ex-policial militar Carlos Eduardo Benevides Gomes, o Cabo Bené. O ex-PM se tornou um destacado líder miliciano da Zona Oeste carioca e acabou morto junto com outros 11 homens durante uma operação policial em Itaguaí, na Região Metropolitana do estado, às vésperas das eleições municipais de 2020.

Segundo a autora, a escolha da figura de Cabo Bené como ponto de partida para expor o funcionamento das milícias “foi uma decisão jornalística e simbólica”. “O Bené é a síntese perfeita do que o livro tenta mostrar. Ele não é um miliciano que surgiu na margem, sem conexão com o Estado. Pelo contrário: ele é um produto do próprio Estado”.

“A história dele tem todos os elementos: ligação com o Bonde do Ecko, envolvimento em eleições, atuação direta em bairros estratégicos, e, claro, a blindagem que só quem tem conexão institucional consegue manter. Era uma história com começo, meio e fim — mas que, na verdade, representa muitas outras. Ele não é a exceção. Ele é o retrato de um sistema que fabrica esse tipo de liderança”, completa Cecília Olliveira.

Cabo Bené. (Foto: Reprodução/ Redes Sociais)

Livro explica modelo de ‘franquia’ das milícias

As milícias são consideradas como o grupo criminoso que mais cresce no país atualmente. As áreas sob domínio desses grupos no Rio de Janeiro cresceram 387% num período de 16 anos e, atualmente, 10% de toda a extensão do Grande Rio está sob controle desse poder ilegal, segundo dados de institutos que pesquisam a segurança pública no estado.

Em “Como nasce um miliciano”, Cecília Oliveira detalha o modelo de franquia usado pelas milícias para ampliar seus domínios. “É quando uma milícia maior — no caso, o Bonde do Ecko — oferece suporte, armamento, logística e proteção política a grupos menores em troca de uma porcentagem dos lucros. É uma estrutura de negócios. O franqueado recebe a marca, os meios e a retaguarda. E quem não aceita se submeter, ou é absorvido à força, ou é eliminado”, explica.

“Isso representa uma ameaça inédita porque aproxima a estrutura do crime ao de uma empresa, permitindo que eles maximizem ainda mais os lucros – e isso se traduz em poder político e se retroalimenta. Não é só domínio de território: é um plano de expansão, com metas, divisão de tarefas, gestão financeira e influência política. E tudo isso com armas e sem concorrência legítima. O Estado, nesse modelo, está sempre correndo atrás do prejuízo — e muitas vezes com parte dele colaborando de dentro”, completa.

Capa de “Como nasce um miliciano”. (Foto: Divulgação)

O livro perpassa eventos até 2025, como a morte de Bené em 2020, o racha interno entre milicianos, e os desdobramentos do caso Marielle Franco. A obra conecta, ainda, a realidade do Rio de Janeiro às suas repercussões nacionais, mostrando como as práticas milicianas se consolidaram como um modelo de negócio em expansão no Brasil.

“Como nasce um miliciano” terá um evento de lançamento neste sábado (14), às 13h, na Livraria Folha Seca, no Centro do Rio de Janeiro.