O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, disse ontem que a democracia brasileira “ainda é trabalho em progresso e precisamos cuidar dela”. A declaração foi dada durante a abertura do seminário pelos 35 anos da Constituição Federal, na sala de sessões da Primeira Turma da corte.
Barroso afirmou ainda que “vocações autoritárias geralmente surgem dos desvãos da democracia, das promessas não cumpridas de igualdade de oportunidades”.
“Ainda enfrentamos problemas de desigualdade abissal e pobreza extrema, em algumas partes do Brasil, níveis elevadíssimos de violência urbana.“
A Constituição Federal completou, ontem, 35 anos de promulgação. O Estado Democrático de Direito, garantido pela Carta Magna, registrou no dia 8 de janeiro deste ano seu mais duro golpe desde o fim da ditadura militar: a depredação das sedes dos Três Poderes.
Um dia após os ataques, foram presos em flagrante 2.151 pessoas, segundo o STF. Dessas, 1.345 foram denunciadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e tornaram-se réus, que aguardam julgamento. Desse total, 1.125 denunciados, segundo a PGR, têm direito ao acordo, 301 já manifestaram interesse em aderir ao benefício. Seis réus já foram condenados pelo STF a penas que variam entre 12 a 17 anos de reclusão por crimes como abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Avanços
Ontem, o presidente do STF, Luiz Barroso destacou avanços nos 35 anos de Constituição, “de estabilidade institucional num país e continente acostumados à quebra de legalidade e rupturas”.
“Conquistamos, ao longo desse período, estabilidade monetária. Os mais antigos se lembrarão dos tempos difíceis da hiperinflação, como ela penalizava pessoas mais pobres e todos aqueles planos econômicos fracassados e litigiosidades“, afirmou.
Ele ressaltou a “relevante inclusão social, onde mais de 30 milhões deixaram a linha da pobreza extrema” e disse que o Brasil bateu metas dos objetivos de desenvolvimento neste período. “Foi um período de grande avanço social, infelizmente afetado nos últimos anos por um misto de recessão e baixo crescimento.”
Barroso falou sobre direitos fundamentais e que “mulheres finalmente conquistaram a igualdade nas sociedades conjugais e tiveram avanços importantes na luta contra violência sexual e de acesso ao mercado de trabalho”.
“Também tivemos avanços importantes em matéria de ações afirmativas e proteção da pessoa afrodescendentes, e estamos enfrentando o racismo estrutural brasileiro. Além da comunidade LGBTQIA+, com o reconhecimento e validação das uniões homoafetivas e outros direitos importantes relativos ao nome social, e acesso aos espaços públicos.”
O ministro lembrou a proteção de direitos de comunidades indígenas e demarcação de terras. “É uma luta difícil e ainda inacabada, mas que também teve avanços”, pontuou.
Tensão
A declaração de Barroso ocorre em um momento de tensão entre o Congresso Nacional e o STF, que acentuou-se nas últimas semanas, com parlamentares protestando por meio da obstrução de votações no Legislativo, e com a análise-relâmpago de projeto que limita a atuação e o alcance das decisões da corte.
A crise entre o Legislativo e o Judiciário foi intensificada após uma série de votações do tribunal em temas como o marco temporal, que tramita como projeto de lei, a descriminalização das drogas e a liberação do aborto para até 12 semanas após a concepção.
Na quarta-feira, a principal comissão do Senado votou a toque de caixa uma PEC (proposta de emenda à Constituição) limitando os pedidos de vista e as decisões monocráticas nos tribunais superiores. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), voltou a defender nesta semana a criação de mandato para os ministros.
Outra PEC, que autorizaria o Congresso a derrubar decisões proferidas pelo Supremo, também voltou a tramitar na semana passada.