Por Gabriel Gomes
Acuados após indiciamentos da Polícia Federal (PF) e com a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), políticos bolsonaristas articulam uma maneira de contornar a legislação vigente para colocá-lo nas urnas em 2026: uma mudança na Lei da Ficha Limpa, que diminuiria o tempo de inelegibilidade de políticos condenados de oito para dois anos. A mudança acabaria por abrir uma brecha para o retorno à cena de outras figuras conhecidas da política nacional.
A articulação dos parlamentares bolsonaristas se dá por meio de um projeto de lei apresentado pelo deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), que propõe a alteração da chamada “Lei das Inelegibilidades” , reduzindo de oito para dois anos o período de inelegibilidade para políticos condenados, impactando na “Ficha Limpa”. A mudança reduziria o prazo de inelegibilidade para condenações por abuso de poder político ou econômico, e uso indevido dos meios de comunicação. Bolsonaro foi condenado por esses crimes na Justiça Eleitoral.
Especialistas consultados pelo ICL Notícias apontam que, além do ex-presidente, se beneficiariam da mudança políticos como o ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), e o ex-deputado Deltan Dallagnol (Novo). Além deles, se beneficiariam a ex-senadora Selma Arruda (Pode-MT), o ex-deputado bolsonarista Fernando Francischini e o empresário Luciano Hang.
Crivella foi condenado pela prática de abuso de poder político e econômico e conduta vedada nas eleições de 2020. O ex-prefeito está inelegível até 2028. No caso de Dallagnol, que teve o mandato cassado por infringir a Lei da Ficha Limpa ao ter pedido de exoneração do Ministério Público Federal (MPF), a inelegibilidade vale até 2030.
Selma Arruda, ex-senadora, conhecida como a “Moro de saias”, teve uma condenação por abuso de poder econômico na disputa eleitoral de 2018 e o mandato cassado, com proibição de se eleger por oito anos. Luciano Hang, dono das lojas “Havan”, está inelegível até 2028 por abuso de poder econômico na campanha de Ari Vequi (MDB) para prefeitura de Brusque (SC), em 2020.
Outro possível beneficiado seria o ex-deputado bolsonarista Fernando Francischini, do Paraná, que teve o mandato cassado por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação nas eleições de 2018, tendo inelegibilidade de 8 anos.
Ex-senadora Selma Arruda (Pode-MT) e ex-deputado bolsonarista Fernando Francischini seriam beneficiados com a mudança.
Caso aprovada, mudança na Ficha Limpa deve ser contestada no STF
Os especialistas em Direito Eleitoral, no entanto, acreditam que, caso as mudanças sejam aprovadas pelo Congresso Nacional, seriam alvo de contestações no Supremo Tribunal Federal (STF).
“O país já tem consolidado esse tempo de inelegibilidade, acho que vai ter uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para derrubar essa regra. Um prazo tão curto de inelegibilidade, de dois anos, fere o parágrafo nono do Artigo 14, que diz que tem que ter uma justa reprimenda para a conduta. Se passar pelo Congresso, não creio que passe, certamente seria barrada pelo Supremo”, avalia o advogado Hélio Silveira, advogado especializado em Direito Político e Eleitoral.
A advogada Christine Rondon, especialista em Direito Eleitoral, também crê que o STF suspenderia a medida. “Há possibilidade de ser barrada até pela questão do princípio da moralidade, que é protegida por essa tutela. Tem a possibilidade de ser considerada inconstitucional”, ressaltou.
Muitos especialistas, como Hélio Silveira, defendem a necessidade de atualizações na Lei da Ficha Limpa. As discussões, segundo o advogado, foram contaminadas com a articulação para beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. “A personificação pode atrapalhar uma discussão necessária de atualização da lei”, acredita.
“A Lei da Ficha Limpa demanda uma atualização, tem pessoas que são condenadas e que ficam no ostracismo porque dependem da resolução de outras ações, de ações penais, de solidariedade, e a pessoa fica pendurada na Lei da Ficha Limpa mais de oito anos”, defende Silveira.
Bolsonaro pode ser condenado por outros crimes
A mudança na Lei da Ficha Limpa, no entanto, pode não garantir a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2026. Isso porque o ex-presidente pode ainda ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e condenado pelo STF no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado.
Bolsonaro seria, então, enquadrado por crimes contra o Estado democrático de Direito, que são considerados pelo TSE dentro das hipóteses de inelegibilidade. O ex-presidente já foi indiciado pela Polícia Federal (PF) neste caso.