ouça este conteúdo
00:00 / 00:00
1x
Por Catarina Duarte — Ponte Jornalismo
A vida que a cobradora de ônibus Ana Paula Rocha, de 49 anos, conhecia acabou no dia 2 de abril de 2020. Foi quando seu filho caçula, Igor Rocha Ramos, de 16 anos, foi morto por um policial militar. Desde então, ela sobrevive como pode, tentando cuidar das três filhas e dos nove netos. “Seis desses meus netos são homens e eu tenho tanto medo que algo aconteça com eles. Você não sabe como é difícil dormir e pensar que amanhã eles vão estar grandes. É muito difícil”, desabafa.
Naquele dia, Ana havia pedido que Igor fosse até a padaria da esquina comprar cigarros. Cerca de dez minutos depois, ele foi baleado e morto. A dor da família foi agravada na última semana: o sargento Nelson Gonçalves da Veiga Almeida, acusado de matar o adolescente, foi absolvido por um júri popular.
Por mais que familiares e amigos a alertassem sobre as falhas do sistema judiciário, Ana Paula acreditava que o júri faria justiça. “Eu falava, se for pra júri nós vamos ganhar porque está tudo aí, mas agora vi que realmente não tem [justiça]”, disse, aos prantos.
Igor Rocha foi morto aos 16 anos com um tiro na nuca pelo sargento Nelson Almeida (Foto: Arquivo pessoal)
‘Covardia’: encontro com o PM no tribunal
O julgamento foi a primeira vez que Ana esteve frente a frente com o sargento Nelson. Ela percebeu que talvez fosse sua única chance de expressar a dor que carrega desde 2020. “Eu falei pra ele que o que ele fez com o meu filho foi covardia. Não se faz isso… matar uma criança pelas costas.”
A sensação de impotência permanece. “Agora eu fico com a sensação de impotência como se eu não tivesse feito nada… É revoltante saber que o Brasil só faz coisa ruim. Nós que somos pobres e da periferia só sofremos nas mãos desses homens. Eu queria que todas essas crianças da periferia virassem policiais também, porque sinceramente é isso, senão eles vão todas morrer”, lamenta.
Ana conta que se sentiu humilhada durante o júri. Tinha a sensação de que os jurados julgavam, junto com o policial que matou seu filho, também o lugar onde morava e o seu jeito de ser e se comportar.
Remédios para suportar a dor
Hoje, a vida de Ana Paula é marcada pelo medo e pelo uso contínuo de remédios para dormir e controlar a pressão alta. “Agora eu tenho tudo, tomo remédio para tudo por causa desse homem e ele sai ileso. Minha vida é um lixo agora porque eu vivo por viver”, resume.
O que ainda a mantém de pé é uma promessa que fez ao filho. Em um momento difícil, anos antes de ser morto, Igor pediu que a mãe não desistisse da vida. “Ele falava pra mim, mãe, por favor, nunca mais fique assim. Eu fiquei com tanto medo. Senhora não pode morrer, quem vai cuidar de mim?”, relembra.
Criando os filhos sozinha e cuidando de uma tia doente, Ana foi por muito tempo a base da família. Mas a depressão profunda a derrubou. Igor, na época com 12 anos, tentava reanimar a mãe com palavras de incentivo e carinho. “Ele falou essas palavras e eu prometi pra ele: nunca mais na sua vida assim você vai ver a mãe cair desse jeito. Quando tudo isso aconteceu, eu lembrei disso.”
Morte, fraude e absolvição
O crime aconteceu no Jardim São Savério, na zona sul de São Paulo. Igor, um adolescente negro, foi baleado na nuca enquanto corria de uma abordagem policial.
Além do homicídio, o sargento Nelson respondia por fraude processual, por ter entregue à Polícia Civil um revólver com numeração raspada, alegando que a arma estava com Igor. Segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a intenção era induzir o Judiciário ao erro e forjar a cena do crime.
Durante as investigações, houve contradições. O próprio sargento afirmou inicialmente que não viu arma alguma com o adolescente. Segundo ele, o revólver teria sido encontrado por um bombeiro, após a remoção do corpo. No entanto, uma testemunha declarou que Igor segurava apenas um celular no momento em que foi morto.
O júri popular, no entanto, absolveu o policial das duas acusações. Com a decisão, foram suspensas as medidas cautelares que o impediam de atuar em patrulhamentos e no atendimento direto à população. O julgamento foi presidido pelo juiz Bruno Ronchetti de Castro.
Fonte: ICL Notícias