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Por Isabela Palhares
(Folhapress) – O ministro da Educação, Camilo Santana, disse que estuda mudanças no Fundeb, o principal mecanismo de financiamento da educação básica, para atrelar maiores repasses do governo federal para estados e municípios que atingirem melhores resultados educacionais.
Ele defendeu que é preciso haver um “retorno de qualidade na educação” diante da quantidade de recursos destinados pela União. A declaração acontece no momento em que o Ministério da Fazenda, do governo Lula (PT), cogita mudar o piso para a educação e travar a ampliação da complementação ao Fundeb, medidas que resultariam em menos recursos para a área.
Santana disse que não foi convidado para discutir o assunto e reforçou ser contrário às duas propostas aventadas.
“Nunca fui chamado para discutir, apenas acompanhei pelos jornais. Mas vou repetir o que tenho dito: sou contrário a qualquer mudança, tanto na questão do Fundeb como na questão do piso”, disse o ministro nesta terça-feira (9), após participar de fórum promovido pela Faap (Faculdade Armando Álvares Penteado), em São Paulo.
O ministro defendeu ainda que o país precisa aumentar o investimento na educação básica, mas disse que é preciso criar um mecanismo de distribuição de recursos que premie as redes de ensino com melhores resultados.
“A gente precisa investir mais, mas precisamos também ter melhores resultados. A complementação da União hoje não é pouca coisa, são mais de R$ 50 bilhões neste ano. Mas não há um retorno na qualidade dos resultados da educação. Nós precisamos fazer essa discussão para garantir melhores resultados”, disse.
Sem dar mais detalhes, Santana afirmou que sua equipe estuda mudanças nas regras do fundo para exigir melhorias nos resultados educacionais de estados e municípios como condicionante para receber mais recursos.
“Tenho discutido internamente que a gente possa propor uma mudança no Fundeb, onde haja uma avaliação de resultado. Hoje, o fundo considera basicamente só o número de alunos. A qualidade da nossa aprendizagem está muito aquém do que desejamos. Então, eu acho que a melhor mensuração para os recursos do Fundeb são os resultados de aprendizagem, o resultado do Ideb.”
O ministro da Educação, disse que estuda mudanças no Fundeb, prática preocupa os especialistas (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O que é o Ideb
O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é calculado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) com base no desempenho dos estudantes em provas de matemática e português e as taxas de aprovação escolar.
Especialistas, por outro lado, alertam que atrelar repasses de recursos aos resultados no Ideb tende a aprofundar ainda mais as desigualdades educacionais do país. Municípios que já têm pouco recurso teriam ainda menos oportunidade de oferecer as condições mínimas para um ensino de qualidade.
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, para que todas as escolas públicas do país tivessem condições mínimas de qualidade, o governo federal precisaria destinar R$ 61,3 bilhões a mais para a educação básica em 2025, segundo estudo.
Esse recurso garantiria que as redes de ensino conseguissem ofertar o que é previsto na legislação brasileira. Por exemplo, que os alunos tenham todas as aulas previstas, que os professores recebam salários adequados e que as turmas não fiquem lotadas. Ou ainda que todo estudante esteja matriculado em uma escola com biblioteca, laboratório, quadra e até mesmo energia e água potável.
Os especialistas também destacam que o Fundeb, que teve novas regras aprovadas por emenda constitucional em 2020, já prevê a distribuição de parte dos recursos da União atrelada a resultados educacionais, que não se limitam à nota do Ideb.
Nas novas regras, há um mecanismo chamado VAAR (Valor Aluno/Ano Resultado) que tem como objetivo induzir estados e municípios a desenvolver ações que melhorem o aprendizado de estudantes mais vulneráveis, como os mais pobres e os pretos, pardos e indígenas.
Para conseguir receber esses recursos, as redes de ensino precisam cumprir cinco requisitos: critérios técnicos para a escolha de diretores de escola (no lugar de indicações políticas), garantir participação mínima de 80% dos alunos nos exames do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), aprovar e executar o ICMS Educacional, ter referenciais curriculares alinhados à BNCC (base nacional comum) e reduzir desigualdades socioeconômicas e raciais no ensino.
Nos últimos dois anos, por exemplo, tanto o estado quanto o município de São Paulo não receberam esses recursos por não conseguirem diminuir as desigualdades socioeconômicas em suas escolas.
Para especialistas, as alterações podem aumentar a quantidade de recursos distribuída pelo VAAR ou mudar as condicionalidades desse mecanismo.
Preocupações dos especialistas
Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP, disse ser um equívoco mudar o Fundeb sem que sequer tenha sido feita uma avaliação dos impactos das novas regras implementadas a partir de 2020.
“É alterar as regras do jogo, antes mesmo de avaliá-lo. O VAAR funciona como um incentivo para que os municípios cumpram certas condicionalidades. Mas ele não pode ser usado para uma distribuição massiva de recursos, senão inverte a lógica do Fundeb, que é garantir mais equidade no sistema de educação brasileiro”, disse.
Cesar Callegari, presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), avalia que há sentido em rediscutir as condicionalidades do VAAR, mas defende que os resultados exigidos para acessar o recurso não estejam atrelados apenas ao Ideb, como defendeu o ministro.
“Considerar apenas o Ideb puro é abandonar precocemente uma critério que busca maior equidade na educação. O mecanismo exige que os estados e municípios diminuam as desigualdades de aprendizagem entre alunos de diferentes grupos socioeconômicos e raciais. Isso é muito importante para ser abandonado.”
Ele reconhece, no entanto, que pode haver uma pressão de gestores para mudar essas condições já que poucas redes têm conseguido receber o VAAR. Neste ano, por exemplo, dos 645 municípios paulistas, apenas 150 conseguiram cumprir todas as condicionalidades e receberam o recurso, segundo um levantamento do IBSA (do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada).
Fonte: ICL Notícias