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Por Dra. Vânia Plaza Nunes, Dra. Letícia Filpi, Patrícia Aguiar e George Sturaro*
Neste domingo, 15 de junho, manifestações em 25 cidades de 14 estados brasileiros darão visibilidade a uma das mais urgentes causas de proteção animal no país: o fim da exportação marítima de animais vivos para o abate. O “Dia Nacional contra a Exportação de Animais Vivos”, criado em 2018, mobiliza este ano mais de cem organizações, ativistas e parlamentares por meio do movimento #NãoExporteVidas. A pressão popular pela proibição do tráfico de animais cresce diante da persistência de uma prática econômica anacrônica, que impõe sofrimento extremo aos animas, traz riscos à saúde pública e provoca graves impactos ambientais.
O transporte de rebanhos vivos em longas viagens transatlânticas, em geral destinados ao abate ritual religioso em países do Oriente Médio, tornou-se alvo de crescente repulsa global. Alemanha, Reino Unido, Nova Zelândia, Índia e outros países já baniram definitivamente essa prática. No Brasil, no entanto, o ritmo das exportações segue em alta. Só no ano passado mais de 1 milhão de bovinos foram embarcados para países como Turquia, Egito e Iraque, muitos deles em navios obsoletos, com ambientes superlotados, insalubres e sem ventilação adequada.
Nessas condições, muitos animais morrem por estresse térmico, outros adoecem por inalação de amônia e não conseguem se alimentar ou levantar após quedas e fraturas. Durante todo o percurso — que pode ultrapassar 30 dias — não há assistência veterinária adequada e a fiscalização estatal é praticamente inexistente.
Além do sofrimento animal, os riscos à saúde pública também são significativos. Pesquisas apontam que cerca de 13% dos bovinos transportados por navios nessas condições apresentam algum tipo de coronavírus. De acordo com o pesquisador belga Jeroen Dewulf, a exportação de animais vivos é a maior fonte de infecções transfronteiriças ao facilitar a propagação de zoonoses, podendo originar novas pandemias.
Os impactos são graves também no plano ambiental. As cidades portuárias enfrentam poluição do ar e da água por dejetos dos animais, gerando desconforto à população e danos ao ecossistema marinho. O caso de Barcarena-PA, em 2015, quando o naufrágio do navio Haidar causou a morte de 5 mil bois e a contaminação de rios e comunidades pesqueiras, permanece como um exemplo trágico da vulnerabilidade dessa cadeia logística.
A atividade é também considerada antieconômica. Representa pouco para o PIB nacional, gera empregos precários e não promove inovação. Ao contrário, contribui para a desindustrialização da cadeia da carne, retirando valor agregado do produto brasileiro. Além disso, é isenta de ICMS pela Lei Kandir, o que limita a arrecadação dos estados e municípios envolvidos.
“Dia Nacional contra a Exportação de Animais Vivos”, criado em 2018, mobiliza este ano mais de cem organizações, ativistas e parlamentares por meio do movimento #NãoExporteVidas. (Foto: Conselho Nacional de Sociedades para a Prevenção da Crueldade contra Animais da África do Sul)
Frente a esse cenário, uma Ação Civil Pública movida pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal chegou a obter, em 2023, decisão judicial proibindo a exportação de animais vivos em todos os portos do Brasil. A sentença histórica, do juiz federal Djalma Moreira Gomes, reconheceu os animais como seres sencientes, com direito ao tratamento digno. No entanto, em fevereiro de 2025, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reverteu a decisão em segunda instância, autorizando o retorno das exportações. A decisão está sendo contestada por recurso ao Superior Tribunal de Justiça.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 3093/2021, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que propõe a proibição definitiva da exportação de animais vivos, está pronto para ir à votação em plenário. A proposta ganhou o apoio formal do Conselho de Participação Social da Presidência da República e conta com uma petição assinada por aproximadamente 600 mil pessoas. Outro projeto, o PL 2627/2025, da deputada Duda Salabert (PDT-MG), defende a eliminação progressiva das exportações.
O Dia Nacional contra a Exportação de Animais Vivos é mais que uma data de protesto. É uma convocação a toda a sociedade brasileira para que, juntos, coloquemos fim a uma prática intrinsecamente cruel, que fere os princípios constitucionais da dignidade animal, ameaça a saúde humana, degrada o meio ambiente e subtrai valor econômico do país. Que a mobilização nacional deste 15 de junho ajude o Brasil a acabar com essa infâmia.
* Dra. Vânia Plaza Nunes é médica veterinária, diretora técnica e porta-voz do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal; Dra. Letícia Filpi é advogada e porta-voz da Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda); Patrícia Aguiar é ativista e porta-voz da campanha #NaoExporteVidas; George Sturaro é diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Mercy For Animals (MFA) no Brasil.
Fonte: ICL Notícias