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O colapso sistêmico do sistema financeiro nacional


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A tempestade perfeita da negligência institucional

O Brasil vive uma contradição gritante e perigosa: enquanto o mercado de capitais se expande em ritmo acelerado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão responsável por sua regulação e fiscalização, opera sob crescente sufocamento estrutural. Entre 2018 e 2023, o número de ofertas públicas sob supervisão da CVM aumentou 680%, e o de pessoas físicas na Bolsa cresceu 830%. Os dados revelam um salto de complexidade e volume sem precedentes. Porém, na contramão dessa expansão, o orçamento discricionário da CVM caiu 47% e o quadro de servidores ativos foi reduzido em 24% no mesmo período. A conta não fecha. O sistema financeiro cresce em ritmo acelerado, mas o Estado brasileiro encolhe deliberadamente a sua capacidade de supervisioná-lo.

Essa não é somente uma crise de gestão ou ineficiência técnica — trata-se de uma decisão política, silenciosa e continuada, de enfraquecer os mecanismos de fiscalização e controle. Cortes orçamentários sucessivos, ausência de recomposição de quadros e negligência legislativa compõem um cenário de desmonte institucional sem precedentes. O resultado é um vácuo regulatório que deixa espaço para fraudes, abusos e insegurança jurídica, que geram uma crescente insegurança entre os investidores. O problema, portanto, não está só na velocidade com que o mercado corre, mas na escolha consciente de deixá-lo correr sem freios. E quando o colapso vier — porque ele virá — não será por falta de aviso.

A explosão do mercado e o vácuo regulatório

Nos últimos anos, o mercado financeiro brasileiro vivenciou um crescimento exponencial em sua complexidade e volume. Temos com um dos indicativos cerca de 27 mil fundos de investimentos com patrimônio de R$ 7,5 trilhões. O valor total do mercado regulado pela CVM saltou de R$ 11,5 trilhões, em 2014, para impressionantes R$ 49,5 trilhões em 2023. Esse avanço foi impulsionado não somente pela diversificação de produtos e pela entrada de novos investidores, mas também pelo apetite crescente do setor privado e pelo discurso de desintermediação financeira. Com mais ofertas públicas, fundos de investimento, plataformas digitais e operações transnacionais, o mercado exige cada vez mais sofisticação e vigilância. No entanto, esse movimento ascendente ocorre sob o peso de uma estrutura estatal que encolhe propositalmente.

Enquanto o mercado financeiro se multiplicou por mais de quatro vezes, os recursos destinados à CVM despencaram. O orçamento discricionário da autarquia teve uma queda de quase 50% entre 2018 e 2023, ao mesmo tempo, em que o número de servidores ativos caiu 24%. Isso gera um vácuo regulatório que não é somente perigoso — é sistêmico. A ausência de fiscalização adequada fragiliza o combate a fraudes e pirâmides financeiras, facilita a manipulação de ativos para fins políticos e compromete a credibilidade do Brasil diante dos investidores internacionais. Um mercado sofisticado sem supervisão robusta é uma bomba-relógio.

Um sistema à beira da falência funcional

A CVM é uma das poucas autarquias brasileiras superavitárias. Apenas em 2023, arrecadou R$ 970 milhões em taxas de fiscalização, mas pôde utilizar apenas R$ 30 milhões desse montante em suas atividades finalísticas. Isso equivale a menos de 3% do que recolheu — um paradoxo gritante. Mesmo com caixa positivo, a CVM é submetida pelo Ministério da Fazenda a uma lógica orçamentária que a estrangula. Seus recursos discricionários são reduzidos ano após ano, impedindo investimentos em pessoal, tecnologia e inteligência regulatória. Trata-se de uma escolha deliberada, e não de escassez real: o Estado brasileiro, em diferentes governos, decidiu conter os investimentos justamente sobre um órgão que, além de arrecadar mais do que consome, protege a integridade do sistema financeiro e a confiança dos investidores.

Essa contenção revela um erro de concepção profunda sobre o papel dos órgãos reguladores e fiscalizatórios. Em vez de enxergá-los como engrenagens essenciais do capitalismo moderno — estruturas que garantem previsibilidade, equidade e segurança jurídica ao mercado —, o governo federal os trata como centros de despesa passíveis de corte ou apenas como fonte de recursos para outras atividades estranhas ao mercado de capitais e aos investidores. É uma lógica míope que compromete não só o ambiente de negócios, mas a própria estabilidade econômica. Afinal, nenhum país que despreza seus mecanismos de vigilância financeira consegue manter competitividade internacional. O desinvestimento estrutural na CVM, nesse sentido, é mais do que descaso: é um tiro no pé da política econômica que não investe em política de desenvolvimento nacional. .

O problema, contudo, não é exclusivo da CVM. Ele contamina a Susep, a Previc e até mesmo o Banco Central. Esses órgãos enfrentam asfixia, em maior ou em menor medida, semelhante, além de outra distorção institucional preocupante: a baixa ocupação de cargos de direção por servidores concursados. A crescente nomeação de indicados políticos, em detrimento da especialização técnica dos quadros da casa, compromete a continuidade e a credibilidade das decisões regulatórias. A combinação entre “desfinanciamento” e politização cria um cenário no qual o mercado avança, mas a supervisão regride — e isso ameaça o equilíbrio de todo o sistema financeiro nacional.

O apagão regulatório e a omissão do Legislativo

Em 12 de junho de 2024, foi protocolado na Câmara dos Deputados o requerimento de criação da Frente Parlamentar Mista dos Reguladores do Sistema Financeiro Nacional. A proposta, que reuniria parlamentares interessados em debater e fortalecer os órgãos de supervisão como CVM, Susep, Previc e Banco Central, nunca saiu do papel. A omissão tem nome e sobrenome: Arthur Lira, então presidente da Casa, nunca deu o simples despacho para a efetiva instalação formal da Frente. Seu sucessor, Hugo Motta, até o momento repete a mesma postura. O silêncio deliberado do comando da Câmara sobre o tema revela que, para setores expressivos do Congresso, discutir a robustez institucional da fiscalização financeira não é prioridade — mesmo diante do crescimento exponencial do mercado de capitais e dos riscos que dele derivam.

Essa inércia legislativa não é neutra. Ao se recusar a viabilizar um espaço de articulação institucional sobre o sistema financeiro, o Congresso negligencia sua própria responsabilidade constitucional de zelar pela ordem econômica e pelo equilíbrio entre os poderes. Segundo a justificativa oficial do requerimento, “a referida Frente será um instrumento importante para a implementação e aprofundamento das discussões políticas que tenham por objetivo tanto fortalecer mecanismos fiscalizatórios e órgãos de controle de Estado quanto estabelecer um ambiente de investimentos seguro a todos os agentes econômicos”. Ignorar esse objetivo é, na prática, sabotar um dos pilares de qualquer economia moderna: a confiança. Quando os legisladores fecham os olhos para a estrutura que protege o cidadão investidor, deixam o mercado vulnerável ao oportunismo e o Estado refém de sua própria omissão.

A falácia da autorregulação e o risco à democracia

O discurso de que o mercado “se autorregula” é uma falácia conveniente para quem lucra com a ausência de fiscalização. Em momentos de crescimento e bonança, essa narrativa ganha força nos bastidores do poder, sugerindo que os agentes econômicos agiriam com responsabilidade por puro interesse reputacional. No entanto, a realidade tem sido implacável em desmentir essa tese. Casos como o colapso contábil da Americanas, os escândalos envolvendo corretoras de criptomoedas e a explosão de esquemas de pirâmide e apostas esportivas ilegais (bets) demonstram que, quando deixados à própria sorte, os mercados produzem assimetrias de informação, fraudes e concentração de poder econômico. A reação do Congresso, em todos esses episódios, veio somente após o estrago estar feito — pressionada pela opinião pública e pela cobertura insistente da imprensa.

Mais do que uma crise econômica pontual, o enfraquecimento dos órgãos reguladores representa uma ameaça institucional profunda. Sem fiscalização eficaz, o pacto democrático se fragiliza. Cidadãos que investem, empreendem ou somente confiam no funcionamento do Estado de Direito são deixados à mercê de aventureiros e conglomerados que operam sem escrutínio. A confiança nas instituições — premissa básica de qualquer democracia funcional — começa a ruir. Quando o sistema não protege os pequenos e favorece os já poderosos, instala-se uma sensação generalizada de injustiça. O resultado não é somente a volatilidade nos mercados, mas a corrosão da coesão social. Manter reguladores fracos é, portanto, não só uma escolha política e econômica, mas também uma decisão que coloca em risco os fundamentos da democracia brasileira.

Propostas e saídas institucionais possíveis

Diante do cenário de fragilização deliberada da estrutura regulatória, o primeiro passo para reverter o colapso funcional da CVM passa pela revisão urgente de seu orçamento e pela ampliação da força de trabalho. Trata-se de uma autarquia que arrecada mais do que consome, sendo tecnicamente superavitária graças às taxas de fiscalização que incidem sobre os próprios agentes regulados. O que falta, portanto, é vontade política para garantir autonomia orçamentária e protagonismo dos servidores concursados, historicamente responsáveis por sustentar o prestígio técnico da CVM. Reforçar os quadros da instituição é mais do que uma correção administrativa: é um investimento estratégico na estabilidade do sistema financeiro nacional. Hoje a CVM precisaria de mais 600 servidores de nível superior em seus quadros para evitar o colapso fiscalizatório e regulatório do mercado de capitais.

Outro ponto central é a instalação imediata da Frente Parlamentar Mista dos Reguladores do Sistema Financeiro Nacional, proposta em junho de 2024 e até hoje engavetada. Os requisitos regimentais para sua criação já foram cumpridos, e sua instalação depende unicamente de decisão política da Presidência da Câmara dos Deputados. Não há justificativa razoável para a omissão. A Frente poderia se tornar um espaço institucionalizado e permanente de debate sobre a governança dos órgãos reguladores, conectando o Legislativo à realidade técnica e ao planejamento estratégico de longo prazo para o sistema financeiro. Ignorá-la é perpetuar o distanciamento entre o debate público e os interesses republicanos de fiscalização e proteção ao cidadão.

Além disso, é fundamental que o Brasil observe e aprenda com práticas internacionais. Em economias maduras, o crescimento do mercado de capitais sempre veio acompanhado de expansão institucional, com reforço técnico e autonomia dos órgãos reguladores. A Securities and Exchange Commission (SEC), nos EUA, e a European Securities and Markets Authority (ESMA), na UE, regulam com rigor e se antecipam às inovações do mercado, agindo com independência técnica e recursos compatíveis com sua missão. O Brasil precisa decidir: continuará apostando em um modelo de desmonte silencioso ou terá coragem para reconstruir as bases de um sistema regulatório que proteja o país, o investidor e a democracia?

O preço da desregulação e a urgência do reequilíbrio institucional

A crise atual não é meramente técnica nem resolvível com boas intenções. Ela escancara a contradição de um país que pretende consolidar-se como potência no mercado de capitais, mas negligencia os pilares institucionais que garantem a solidez desse caminho. Não se trata de pedir mais recursos para o Estado por inércia ou burocracia, mas de assegurar a sobrevivência de um sistema financeiro funcional, confiável e capaz de proteger os interesses públicos e privados. Em vez de fortalecer os órgãos que garantem o funcionamento das regras do jogo, o Brasil optou por deixá-los à míngua — e os riscos dessa escolha não são hipotéticos, são reais e crescentes.

O Brasil precisa decidir com urgência se quer ser uma potência econômica ou um laboratório de colapsos sucessivos. Casos como o da Americanas, os escândalos com criptomoedas e as pirâmides financeiras não são exceções. São sintomas de um sistema que opera no limite da irresponsabilidade institucional. E cada nova crise cobra um preço não só em bilhões de reais perdidos, mas na corrosão da confiança pública, na fuga de investidores e na fragilização da própria democracia. A autorregulação virou um álibi para a omissão, e o apagão regulatório, um terreno fértil para oportunistas e aventureiros.

É hora de chamar o problema pelo nome: enfraquecer os órgãos de fiscalização é uma forma de deslegitimar o Estado e favorecer interesses que operam no escuro. Parlamentares precisam assumir seu papel e instalar os instrumentos necessários, como a Frente Parlamentar Mista dos Reguladores, para garantir um debate público maduro, com transparência e compromisso institucional. Já a sociedade civil deve entender que “fiscalizar os fiscalizadores” não significa atacá-los, mas assegurar que existam, que sejam autônomos e que tenham condições reais de cumprir sua missão. Sem isso, o colapso não será uma possibilidade — será uma certeza.





Fonte: ICL Notícias

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