Por Gabriel Gomes
Na pandemia de covid-19, diversos médicos, impulsionados pela narrativa bolsonarista, lucraram com a divulgação de conteúdos falsos, com desfinformação sobre os tratamentos e a prevenção da doença. Muitos questionaram, sem comprovação científica, o uso de máscaras, as vacinas e o distanciamento social.
A pandemia passou e a desinformação, o negacionismo sobre doenças e tratamentos médicos continuaram. Com a ajuda de recursos de impulsionamento das big techs, multiplicam-se nas redes vídeos e publicações de divulgação de cursos e tratamentos sem nenhuma comprovação ou estudo publicado.
“O autor do conteúdo paga a plataforma para que otimize a exibição, alcançando um público ainda maior, levando, inclusive, a plataforma a se tornar um beneficiário desse conteúdo… As big techs estão, nos últimos dois anos, cada vez mais se tornando permissivas para esse tipo de conteúdo”, explica Humberto Ribeiro, cofundador e diretor jurídico do Sleeping Giants.
“O impulsionamento é realizado de modo a alcançar aquela que é a audiência mais sensível. Isso significa que os dados dos usuários e as pegadas digitais de um determinado indivíduo serão utilizadas pela plataformas para identificar e distribuir a informação falsa para o usuário que mais provavelmente será persuadido por aquela inserção”, completa.
O Sleeping Giants Brasil (SGBR) acompanha esses casos e atua para desmonetizar os conteúdos falsos e discursos de ódio na veiculação de publicidade em sites e perfis que disseminam fake news.
Humberto Ribeiro, cofundador e diretor jurídico do Sleeping Giants. (Foto: Reprodução)
“A gente tem feito o acompanhamento da desinformação que afeta a saúde pública desde a pandemia. Foi quando surgiu o ‘Sleeping’. Naquele tempo, a nossa principal atuação era voltada para a desinformação que afetava a saúde pública, relacionada à vacinação contra a covid, o Kit Covid e medicamentos comprovadamente ineficazes. Atualmente, a gente tem feito esse trabalho de acompanhar a desinformação da saúde pública desde o início”, diz Humberto Ribeiro.
A organização alerta para os riscos que a propagação desse tipo de conteúdo e tem atuado pela responsabilização dos criadores de conteúdo e das big techs.
“Existem consequências para a saúde pública, seja com o aumento dos gastos do sistema de saúde pública, seja com a transmissão de doenças infecciosas não tratadas devidamente, como aconteceu durante a crise de saúde pública da covid-19”, completa Humberto.
Médico citado na CPI da Pandemia quer construir “império masculino”
Um dos casos citados pelo diretor do Sleeping Giants é do médico Alessandro Loiola, que utiliza seu perfil com 499 mil seguidores no Instagram para divulgar uma forma de construir o “império masculino”. Nos cursos vendidos por 599 reais, Loiola comercializa supostos protocolos naturais de “otimização de testosterona”.
Médico Alessandro Loiola. (Foto: Reprodução)
O médico questiona os níveis considerados saudáveis de testosterona, aparados pela SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), e incentiva que os homens busquem se aproximar do valor máximo (1.000 nanogramas por decilitro (ng/dL)) para evitar problemas como cansaço, ganho de peso e falta de libido. A recomendação acontece até para quem possui níveis normais de testosterona.
Loiola teve o nome citado na CPI da Pandemia, tendo aprovada a sua quebra de sigilos fiscal e bancário. Nas redes sociais, fazia diversas postagens disseminando fake news sobre a covid-19.
Em agosto de 2021, o médico criticou o uso de máscaras e apontou uma falsa correlação entre a redução do número de mortes em alguns países à dispensa do acessório. Ele também pregava contra as vacinas aprovadas no Brasil, chamadas por ele de “experimentais”. Muitos desses conteúdos eram impulsionados nas redes sociais.
Sleeping Giants defende responsabilização das plataformas sobre conteúdos com desinformação
A Sleeping Giants tem atuado na defesa do fim da imunidade das plataformas e na responsabilização sobre os conteúdos impulsionados. O assunto está em discussão no Supremo Tribunal Federal, que debate o artigo 19 do Marco Civil da Internet. O artigo 19 da Lei 12.965/2014 estabelece que é necessária uma ordem judicial para responsabilizar provedores de conteúdo por danos causados por terceiros.
“Nós defendemos que essa imunidade não pode ser estendida aos conteúdos que a plataforma recomendou ou aos conteúdos que a plataforma permitiu que fossem objetos de publicidade digital. Se a plataforma recebeu um recurso para otimizar, fez um impulsionamento, ou fez um anúncio daquele conteúdo, ela pode ser responsável”, ressalta Humberto Ribeiro.
A organização também tem articulado, junto ao governo federal, o envio de um projeto de lei substitutivo ao PL das Fake News, que está parado na Câmara dos Deputados. “Existe uma omissão legislativa na Câmara”, destaca Humberto.
“O governo pode fazer muito, mas há um medo de isso afetar a popularidade, que é um medo legítimo. Mas, é muito perigoso que esse medo também paralise a Presidência da República e que deixe toda a responsabilidade nas mãos do Congresso”.
Fonte: ICL Notícias